sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Eremita

Nestes últimos dois longos meses fui outra vez obrigada a voltar a andar de metro. Isto de partilhar o mesmo espaço com os outros, tem muito que se lhe diga. Muitas vezes nem é fácil partilha-lo com os conhecidos, quanto mais com gente que não conhecemos de lado nenhum. Isto porque contactamos com a educação alheia (ou falta dela). Deixamos de ter a protecção que o nosso veículo motorizado nos confere, onde não apanhamos chuva nem frio, onde ouvimos a música que queremos, e onde não temos de aturar a falta de civismo, o barulho, nem o cheiro de ninguém. Cada vez mais, acho que a solidão não é, de todo, negativa.

Isto reporta-me para um episódio que me aconteceu este ano, talvez no último dia de praia. De repente vi a sombra do meu chapéu ser usurpada por duas crianças que surgiram do nada. Quando finalmente me senti incomodada por não poder usar o meu próprio espaço e a minha desejada sombra perante um sol que me carbonizava, tive de perguntar às pequenas criaturas onde estavam os pais delas. Estavam no restaurante atrás da zona dos chapéus. Algures por ali. Para ter filhos assim, vou já ter uns 10. O engraçado, é que, pelos vistos aquelas não eram as únicas crianças que andavam por ali a brincar nos chapéus alheios, e pior, a incomodar quem por lá estava, enquanto os papás faziam a vidinha deles, sem se importarem, e pior, sem lhes explicarem as regras básicas da educação e de como viver em sociedade. 

E daqui surge o mais recente episódio, em que, em pleno refeitório, eu previ que um miúdo com não mais que 4 anos me iria "bater" quando eu passasse, pelo gesto rotativo que iniciou com os braços, a ganhar balanço para o golpe, à medida que eu me aproximava. Devo dizer que não o conhecia, da mesma forma que não conhecia a adorada mãe que nada fez ou disse ao ver o acto educado e civilizado do seu rebento. Talvez um dia mais tarde o seu filhote lhe dê um estalo quando ela não lhe quiser dar dinheiro para uns gramas de coca.

As pessoas não se importam com nada para além delas. E eu só tenho pena de ter sido educada da maneira oposta. Daquela maneira em que não devemos fazer aos outros o que não gostariamos que nos fizessem a nós. Era bem mais feliz se me estivesse a borrifar. Gostava de não ter a noção de que dar um passo para a esquerda é o suficiente para permitir que mais alguém entre no metro. Era bem mais feliz se fizesse ultrapassagens sem me importar de obrigar alguém a travar. Era bem mais feliz se não desviasse o chapéu de chuva para evitar bater no da outra pessoa que vem na minha direcção. Chego à triste conclusão que ser mal educado e egoista, é a única maneira de ser feliz em sociedade. Isto porque não dá para ser feliz lutando contra uma maré negra, podre, sedimentada na ausência de valores.

Às vezes (muitas vezes) só queria ser eremita.

3 comentários:

Ana Margarida disse...

Vamos fazer umas t-shirts com a famosa "A nossa liberdade termina quando começa a liberdade dos outros" :P
Ás vezes também penso que devia haver uma espécie de novas oportunidades para a formação cívica :P
Beijinho* :)

Exmo Sr. Rodrigo disse...

ha meses que nao cuscava o teu espaço.
foi sem duvida o melhor post que ja li de ti, me especial das ultimas frases.

STP disse...

Cara Let:

Compreendo perfeitamente o que dizes, e, aliás, conheces-me e sabes que sou rabugento e que também eu luto contra essa maré negra de que falas.
Mas... eu não seria mais feliz se fosse como eles. Eu tenho orgulho em ser como sou, porque reflito a educação que os meus pais me deram, e isso significa que estou a honrá-los, particularmente o meu pai, que tinha valores e princípios que defendia ferreamente.
E também tenho orgulho em ti por seres assim.
É pena que me sinta na obrigação de premiar e bater palmas às pessoas que ainda são educadas, só porque fazem a sua obrigação. Mas no mundo em que estamos, não podia ser de outra maneira!