terça-feira, 23 de setembro de 2008

Os trintões

Devo confessar que, até à altura em que entrei na casa dos 20 e tais, achava que a partir dos 30 anos era o início do fim. Olhava para os trintões como aqueles seres que tinham parado no tempo, que só ouviam música de porcaria, que não tinham o mínimo sentido de humor (ou no máximo faziam piadas pouco inteligentes) e que já tinham ficado carecas e barrigudos... Contudo, olho para mim agora, a caminhar a passos largos para a "década da decadência", e vejo que afinal as coisas são um bocadinho diferentes daquilo que eu imaginava. Continuo a ouvir a música "do meu tempo" (pois pouco do que sai de novo me parece ter qualidade ou sai fora do "comercial teenager"), mas penso que mantive o sentido de humor (ah, e não estou careca nem barriguda). Mas tenho a certeza que o pessoal de 18 anos me vê como uma cota.

Não posso dizer que estou igual ao que era há 10 anos atrás, pois em 10 anos (que passam a correr!) vive-se muita coisa, aprende-se muita coisa. A questão é que, inevitavelmente, é essa diferença de 10 anos nos faz experimentar coisas que a geração seguinte não tem ideia. E daí essa sensação de que os trintões eram seres de outro planeta. Velhos.

A propósito de um artigo de Nuno Markl, e tal como ele diria, "a juventude de hoje, na faixa que vai até aos 20 anos, está perdida (...) porque não conhece os grandes valores que orientaram os que hoje rondam os trinta."

Veja-se o caso dos desenhos animados. Já lá vão os tempos dos bonecos queridos e coloridos, com histórias que não se centravam sobre a aniquilação da humanidade... Lembro-me dos sábados de manhã, acordada em frente à TV, ainda sem a programação ter começado (com a Ana Faria e os Queijinhos frescos como tema de fundo), à espera que chegasse a sequência de bonecada. Eu sou do tempo do D'Artacão, do Bocas, passando pelos Duck Tales e Gummy bears... Sim, eu chorava com a música do Marco! Belos tempos. Os Power Rangers marcaram o início da desgraça... A hora da novela era sagrada... naquela altura em que dava uma única novela na televisão, e havia apenas a RTP. Até o "Festival da canção" e a eleição da "Miss Portugal" eram momentos imperdíveis.

Os velhos jogos de computador... aqueles que cabiam (em conjunto com outros 3 ou 4) numa única disquete. Oh meu deus... as disquetes... eu ainda cheguei a ver aquelas com tamanho XXL. Eu pergunto se os putos de hoje em dia alguma vez viram uma disquete. Ou se sabem o que é o DOS, ou o spectrum! Os jogos a 2D... Confesso que passei muitas tardes a jogar computador. Era um vício. Mas não foi por isso que deixei de brincar, de correr, de andar de baloiço nos parques com areia (!) e não com aquele chão emborrachado que têm actualmente, não vão os miúdos apanhar alguma doença! Hoje em dia os "putos" querem é PSP e telemóveis para mandar mensagens. São uns meninos. Segundo o N.M., e muito bem, "se houver uma situação de perigo real, em que tenham de fugir de algum sítio ou de alguma catástrofe, eles vão ficar à toa, à procura do comando da Playstation e a gritar pela Lara Croft. Óbvio, nunca caíram quando eram mais novos. Nunca fizeram feridas, nunca andaram a fazer corridas de bicicleta uns contra os outros. Hoje, se um miúdo cai, está pelo menos dois dias no hospital, a levar pontos e fazer exames a possíveis infecções, e depois está dois meses em casa a fazer tratamento a uma doença que lhe descobriram por ter caído. (...) No meu tempo, se um gajo dava um malho nem via se havia sangue, e se houvesse, não era nada que um bocado de terra espalhada por cima não estancasse."

O que me custa é que os pais potenciam e mantêm esta situação. Será que se esqueceram que não tiveram 1/10 das mordomias que exigem hoje para os filhos como condição indispensável à sua sobrevivência? No meu tempo, ia sozinha para a escola, a pé, à chuva se fosse preciso. Nunca andei em nenhum colégio de meninos de bem. Tive colegas que hoje, provavelmente, já devem ter morrido de overdose. E, no entanto, não foi por isso que não cheguei onde cheguei. "Havia uma hipótese real de se entrar na droga, de se engravidar uma miúda com 14 anos, de apanharmos tétano num prego enferrujado, de se ser raptado quando se apanhava boleia para ir para a praia. E sabíamos viver com isso. Não estamos cá? (...) E ainda nos chamavam geração 'rasca'... Nós éramos mais a geração 'à rasca', isso sim. Sempre à rasca de dinheiro, sempre à rasca para passar de ano, sempre à rasca para entrar na universidade... Agora não falta nada aos putos."

Agora que estou quase nos 30, percebo que há coisas que já não voltam. Mas pelo menos vou sempre pertencer a uma boa colheita. Não a trocava por nada... muito menos por uma geração "Morangos com açúcar".

3 comentários:

Anónimo disse...

Nem penses nisso, estás mesmo transformada numa cota!! queres convencer quem do contrário lol. Diria que o que pensavas dos cotas era uma brincadeira comparativamente com o que estes putos mimados pensarão de ti, e de mim (no meu caso um pouco menos). Em jeito de comentário, imagino os disparates que o N.M. fazia em puto, ou melhor, aqueles que o obrigavam a fazer, é mesmo o género....
Beijinhos,
Alexandre

Unknown disse...

Bom, tens apenas 100% de razão.
Mas também tenho que compreender que a maior parte de nós tinha alguém em casa que nos desse o lanche... nem que fosse a avó ou a vizinha. hoje em dia pais e avós trabalham e não se falam com os vizinhos porque não se sabe o nome deles.
Os nossos pais até sabiam que podiam confiar em nós (dentro de limites aceitáveis) porque a probabilidade de se levar um estalo, caso quebrassemos determinadas barreiras, era real.
Hoje, se alguém der um estalo a um puto, corre o risco de ir parar à cadeia. além de que o miúdo fica traumatizado... Eu acho é que ninguém disse aos psicólogos que só traumatiza a primeira estalada... depois o trauma passa e começa o crescimento e a aprendizagem...
há falta de tempo e espaço...

beijinhos

Vera disse...

Pois. As circunstâncias eram outras (se bem que os meus pais também trabalhavam e não conhecia assim tão bem os vizinhos). Mas a educação era diferente. Havia regras (ou pelo menos subentendia-se que havia). E sabiamos que não as podiamos transgredir. Hoje são os miúdos que fazem as regras. São cada vez mais mimados e caprichosos... e pior, hiper-protegidos.

Quanto ao ser cota... sim... sou... dou por mim a ouvir grunge enquanto que o puto do carro do lado vai a ouvir um reggaeton muita manhoso...

Daqui a um ano e pouco prometo descrever qual é a sensação de deixar a casa dos 20. E olhem que já vi algumas pessoas a ficarem um bocadinho afectadas mentalmente (mesmo!) com isso... espero não ser uma dessas... Lol