quarta-feira, 30 de julho de 2008

Notas soltas

Fui descobrir no meu "baú" das recordações, algo que escrevi há uns anos. Não deixa de ser irónico. Aqui fica.

E aqui estou eu. Sozinha mais uma vez... Todas as vezes... Sempre. Neste quarto vazio. Vazio de sentimentos. Vazio de essência.
As coisas mudam de repente. O que era, já não é. Deixou de ser há muito tempo. Nunca chegou a ser. Talvez afinal as coisas nem cheguem a mudar. Mantêm-se sempre no mesmo estado. Estáticas, como numa fotografia. Parece que o tempo pára, e continuamos inertes, impotentes, a assistir à vida a passar diante dos nossos olhos. Talvez as coisas não mudem mesmo. Nós é que nos abstraimos, por um momento, da realidade, e ficamos felizes, vivendo agarrados à ilusão. Uma felicidade quase infantil que nos faz querer saltar, correr... Uma felicidade como quando recebemos um brinquedo que há muito desejavamos. Agradecidos eternamente pela concretização do sonho. Eternamente... até ao momento em que o brinquedo deixa de ter graça. Passa a ser uma coisa banal. “Que estupidez ter algum dia sonhado com isto!”. Surge então uma nova meta. Uma nova conquista. Um novo brinquedo. O ciclo vicioso que se repete vezes e vezes sem conta. Até ao momento em que o brinquedo já não o é. Nós é que passamos a sê-lo. E a vingança serve-se fria. É o pagamento pelo desprezo que um dia oferecemos às coisas banais. O pagamento é um vazio enorme. Um vazio maior que este quarto. Maior que o mundo. Um vazio que nos roi por dentro e nos deixa ainda mais vazios. Ja não há nada a esperar. Resta-nos sentar confortavelmente no sofá, em frente a um espelho, e ver a vida passar. Ver o que a vida nos faz. Tornamo-nos fechados. Isolamo-nos. Nada mais interessa. Desconfiança? Sim. De tudo e de todos. Esperança? Já morreu. Afinal era mentira... não era a última a morrer. Ou talvez tenha sido. Sim, porque chega ao momento em que já estamos mortos apesar de continuarmos a respirar. E é nessa altura que olho para trás, e se pudesse fazia tudo diferente. “A vida só nos dá o que merecemos”?... Utopia! Já que a vida é um filme, daqueles cujo argumento é tão intragável que era melhor nem chegar a ser escrito, então o ideal é carregar no “pause”. Ficar para sempre num fim de tarde, com o sol quase a pôr-se. Naqueles dias de Verão em que já começa a fazer uma aragem fresca. Naqueles dias em que essa aragem arrepia mas ainda sabe bem. Naqueles dias em que se alcança o céu quando alguém especial nos abraça e nos faz esquecer o frio. Esquecer tudo.
Deito-me na relva, na colina em que se vê grande parte da cidade. Ali fico. Longe e tão perto de tudo. O vazio permanece. Latente. Crónico. Olho o céu azul. É das poucas coisas bonitas que a vida nos oferece. Surgem na minha mente imagens... recordações... Adormeço. Finalmente encontro a paz.

25 de Junho, 2001


Sinto o corpo a enregelar. Já não sei se o frio vem de fora, deste entardecer, ou de dentro... das minhas ideias, que passam a uma velocidade tremenda, sem no entanto se irem embora. Os mesmos pensamentos tomam conta de mim. Envolvem-me como esta brisa fresca, gélida até. Sinto-me como numa teia. Indefesa e impotente como qualquer presa nas garras do seu predador.
Sinto um arrepio e uma sensação esquisita no estômago, como se estivesse numa queda livre repentina. Como numa montanha russa. Afinal, a vida é como uma montanha russa. Subidas, descidas, muitas voltas, e no final acabamos sempre no mesmo lugar. No lugar de partida. Só mudam os ocupantes das carruagens. E nem temos a permissão para os escolher livremente. Entram nas carruagens sem pedir, retribuindo apenas com desilusões. Será tão difícil aprender com os desvios do percurso? A quantidade de descarrilamentos nunca será suficiente para nos libertarmos definitivamente? Assim continuamos, de viagem em viagem, a observar as mesmas imagens, a passar pelos mesmos lugares e a cair nos mesmos buracos. Sempre assim... até que a viagem acabe de uma vez por todas.
Está a anoitecer. O vento torna-se mais forte. Parece empurrar algumas estrelas, que, por desejo de liberdade e mudança, riscam o céu em sinal de protesto, e desaparecem para sempre, talvez esquecidas... talvez ignoradas... enquanto as outras, fieis à estagnação que as envolve, permanecem... fixas... paradas… É como esta inércia que me prende e impede de fazer o que está certo. Nem mesmo o vento me empurra para o caminho correcto. É preciso muito mais do que um simples empurrão. Para tudo há que ter coragem. Coragem e auto-estima. Da mais simples à mais difícil das decisões.
E uma música não me sai da cabeça. A melodia flutua por entre os pensamentos, e acaba por se misturar com eles, numa verdadeira banda sonora da fraqueza que me absorve.
Uma vez alguém disse “Se continuas vivo é porque ainda não chegaste onde devias”. Talvez seja. Talvez a última paragem seja diferente das outras. É melhor acreditar que sim... que afinal a viagem tenha feito mudar alguma coisa... nem que seja uma mudança para apenas um dos ocupantes, que tenha a coragem de riscar o céu, sublinhando a sua indignação... nem que seja por um instante. Assim não terá sido em vão.

18 de Setembro, 2001

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